A questão de Hebreus 6.4

Pr. Mark, você escreveu sobre calvinistas e arminianos: “Nenhum dos dois entende Hebreus 6.4.” Qual a sua visão sobre Hebreus 6.4?

Eu entendo que Hebreus foi escrito por Lucas, depois da morte de Paul e Pedro, em Roma (Heb. 13.24; e Hebreus é o livro mais citado por Clemente de Roma, em 69 d.C.), para a igreja em Jerusalém durante a Guerra de 66-70. Examine quantas vezes o conceito da “cidade” aparece, e as exortações para sair da cidade (Heb. 13.12-14), e o fato de que os sacrifícios no templo ainda estavam em pé. O julgamento sobre Israel prometido por Jesus contra “essa geração maldita” estava chegando. Note também os paralelismos entre o que aconteceu em Cades Barnéia (tema central do livro) e a geração que foi morta 40 anos depois, e a crucificação de Cristo em 30 d.C., e a destruição de Jerusalém 40 anos depois. A advertência era: ou saia da cidade (um ato de apostasia aos olhos dos judeus), ou morrerá com essa geração maldita

O problema é que ainda somos católicos: tudo é ou sofrer no inferno, ou ser felizes no céu. Deturpamos muitos trechos por causa dessa perspectiva simplória.

Lucas, em Hebreus 6, como o Apóstolo Paulo em 1 Coríntios 10, fez comparações entre as experiências do povo no deserto e as experiências dos cristãos:

4 É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, provaram o dom celestial, tornaram-se participantes do Espírito Santo, 5 experimentaram a bondade da Palavra de Deus e os poderes da era que há de vir, 6 e caíram; é impossível que sejam reconduzidos ao arrependimento; pois para si mesmos estão crucificando de novo o Filho de Deus, sujeitando-o à desonra pública.

Item: Deserto: Cristão:
Iluminados: Torre de fogo Espírito Santo
Dom celestial: Maná provaram Jesus, o maná do céu
E.S. 70 anciãos Crentes batizados pelo Espírito Santo
Palavra de Deus: Receberam a Lei Receberam o Novo Testamento
Poderes da era Milagres no deserto Milagres dos Apóstolos (Heb. 2.4)

Tanto os calvinistas quanto os arminianos também entendem que os que caíram são as mesmas pessoas e que não podem arrepender-se, mas somente os calvinistas, enganados por sua doutrina da perseverança, dizem que seria somente hipotética.

As asseverações dos calvinistas que os destinatários nunca foram salvos é um exemplo perfeito de deturpar as Escrituras para salvar sua teologia. Como alguém pode “provar do dom celestial mas não ser salvo”? Eles: porque era somente uma experiência superficial. Mas como podem dizer isso, quando nessa própria carta, foi escrito que Cristo “provou a morte para TODOS (mais uma encrenca para os calvinistas) – sua experiência era superficial?

Também, se os arminianos modernos estão corretos no seu entendimento, uma vez que perdemos a salvação, nunca poderíamos ser salvos de novo.

Devemos voltar para a história de Israel no deserto. TODOS que morreram no deserto estão em vista neste trecho. Inclusive Moisés, Miriam, Arão, os 70 anciãos, TODOS os homens militares com exceção de de Calebe e Josué.

Moises não foi salvo? Miriam não foi salva? Os 70 anciãos que receberam o Espírito Santo não foram salvos? Mas todos tinham crido em Deus e aplicaram o sangue do cordeiro! Na linguagem de Paulo, todos foram batizados, e participaram nas santas ceias no deserto (1Cor. 10).

Isso também ignora a pessoa que mais arrependeu-se no deserto… foi Deus! O povo ganhou a ira de Deus. Deus disse que iria destruir a todos, mas Moisés “renovou” o arrependimento de Deus. Mas o que aconteceu em Cades Barnéia é central para o argumento de Lucas: aquela vez, Deus jurou na sua ira. E nem Moisés poderia renovar o arrependimento de Deus! O povo arrependeu-se, sim! No entanto, dessa vez, quem não se arrependeu foi Deus. Moisés arrependeu-se, e chorou três vezes para entrar na terra. Mas Deus falou para não levantar o assunto de novo, porque ele não iria arrepender-se. A prova de que é o arrependimento de DEUS que está em vista encontra-se em Hebreus 12.17.

Como foi traduzido pela “Nova Versão Imaginativa” esconde a conexão (palavras chaves marcadas por *):

16 Não haja nenhum imoral ou profano, como Esaú, que por uma única refeição vendeu os seus direitos de herança como filho mais velho. 17 Como vocês sabem, posteriormente, quando quis herdar a benção, foi rejeitado; e *não teve como alterar a sua decisão*, embora buscasse a benção com lágrimas.

A JFA está fiel:

17 Porque bem sabeis que, querendo ele ainda, depois, herdar a bênção, foi rejeitado, porque *não achou lugar de arrependimento*, ainda que, com lágrimas, o buscou.

Esaú arrependeu-se, sim! Quem não mudou sua mente era, na narrativa, Isaque, mas de fato, era o próprio Deus. Igual com Hebreus 6. Lucas estava afirmando que quando Deus decreta o julgamento contra Seu povo, nem Moisés poderia fazer intercessão para reverter o julgamento. Não tem nada a ver com uma situação hipotética, como dizem os calvinistas, ou perder a salvação, como os arminianos. Não sou nem calvinista, nem arminiano. Acho ambos incorretos.

O final do argumento encontra-se em Hebreus 6.

7 Porque a terra que embebe a chuva, que muitas vezes cai sobre ela, e produz erva proveitosa para aqueles por quem é lavrada, recebe a bênção de Deus; 8 Mas a que produz espinhos e abrolhos é reprovada, e perto está da maldição; o seu fim é ser queimada. 9 Mas de vós, ó amados, esperamos coisas melhores, e coisas que acompanham a salvação, ainda que assim falamos. 10 Porque Deus não é injusto, para se esquecer da vossa obra, e do trabalho de amor que, para com o seu nome, mostrastes, enquanto servistes aos santos, e ainda servis. 11 Mas desejamos que cada um de vós mostre o mesmo cuidado até ao fim, para completa certeza da esperança.

“Ai! Fogo! Prova que é o inferno!” gritam os arminianos. “Não! Prova que nunca foram salvos” gritam os calvinistas. Mas ambos ignoram a figura. Por que queimam os campos de cana-de-açúcar aqui no Brasil? Para destruir a terra? Ou queimar o bagaço e as ervas daninhas? Nessa parábola, a terra representa o povo, não as ervas daninhas e os espinhos. E procure “fogo” no AT. É o símbolo principal do castigo do POVO DE DEUS por DEUS. Este fogo aqui não é inferno, mas o castigo dos salvos por Deus. Assim como foi escrito em Hebreus 10.30

Porque bem conhecemos aquele que disse: Minha é a vingança, eu darei a recompensa, diz o Senhor. E, também: O Senhor julgará o seu povo.

Agora, os calvinistas tentam, em suas manobras clássicas, distinguir entre “o povo de Deus” e “o povo de Deus”, mas devem lembrar-se que Moises e Arão foram incluídos neste grupo!

Hebreus 6 então foi uma advertência para os judeus crentes em Jerusalém durante a guerra com os Romanos para quebrar com os judeus que rejeitaram Jesus e estavam prestes para receber o castigo prometido por Ele (Jesus- Lucas 21), e fugir da cidade como Jesus mandou, ou se não, morreriam juntos com os judeus amaldiçoados. Extrapolar isso para “salvo do inferno” é ilegítimo e viola o contexto principal da epístola.

O que Deus estava fazendo antes de criar o mundo?

Tenho ouvido, e eu mesmo tenho repetido, a história sobre como Agostinho respondeu a dois discípulos quando perguntaram “O que Deus estava fazendo antes de criar o mundo?” Supostamente, ele respondeu: “Criando inferno para os que fazem perguntas assim.” Mas hoje, lendo Confissões 11.12, encontrei as seguintes palavras:

Eis minha resposta à questão: “Que fazia Deus antes de criar o céu e a terra?” – não responderei jocosamente como alguém para contornar a dificuldade do problema: “Preparava o inferno para os que perscrutam esses mistérios profundos”. – Uma coisa é compreender e outra é brincar. Não, essa não será minha resposta. Prefiro dizer: “Não sei” – pois de fato não sei, que ridicularizar quem faz pergunta tão profunda, ou louvar quem responde com sofismas.